A reforma tributária e a urgência na revisão dos contratos empresariais

Por Renato Ferreira e Heliópolis Godoy

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, seguida da regulamentação inicial pela Lei Complementar nº 214/2025, inaugurou uma profunda transformação no modelo de tributação sobre o consumo. A substituição gradativa do PIS, Cofins, ICMS e ISS pela CBS e pelo IBS — somada à criação do Imposto Seletivo — alteram de forma estrutural a lógica de formação de preços, o fluxo de créditos e a alocação de riscos entre contratantes. Nesse contexto, a revisão de contratos empresariais deixou de ser medida meramente preventiva para assumir caráter estratégico e, em muitos casos, urgente.

A transição, com início em 2026, impactará diretamente a execução de contratos privados e públicos, ao afetar a rentabilidade das operações e a distribuição de responsabilidades entre as partes. Ignorar tais efeitos tende a resultar em desequilíbrio econômico-financeiro, litígios e perda de competitividade.

A reforma tributária também modificou premissas essenciais adotadas na redação de contratos firmados sob o regime anterior. Muitos instrumentos jurídicos passaram a conter cláusulas incompatíveis com o novo modelo, especialmente no que se refere à composição do preço, ao repasse do ônus tributário e ao cumprimento de obrigações acessórias.

Além disso, durante alguns anos, coexistirão dois sistemas tributários substancialmente distintos, de forma que contratos sem regras claras de adaptação tendem a gerar disputas interpretativas, sobretudo quanto ao repasse de tributos e às responsabilidades tributárias de cada parte.

Como a CBS e o IBS incidem “por fora”, cláusulas que utilizam preços “com impostos inclusos” ou que preveem repasse automático de tributos podem gerar distorções relevantes, principalmente em contratos de médio e longo prazo. A reformulação do regime de não cumulatividade e a ampliação do escopo de creditamento também alteram o custo efetivo das operações, de modo que desconsiderar esse aspecto pode onerar indevidamente uma das partes.

A mudança reabre o debate sobre quem deve suportar variações da carga tributária, inclusive durante o período de transição. Modelos padronizados de alocação de riscos merecem revisão para preservar o equilíbrio contratual e evitar lacunas que resultem em judicialização.

Os efeitos da reforma tributária ultrapassam as relações de fornecimento. Impactarão projeções de resultados, contratos de distribuição e operações societárias. Ademais, benefícios fiscais de ICMS que influenciavam a precificação de ativos e margens de lucro perderão relevância e deixarão de existir, o que exigirá das empresas atenção às normas relativas ao Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais.

Da mesma forma, contratos envolvendo royaltiescost sharing, mútuos e operações intragrupo também precisam ser reavaliados, considerando a ampliação das hipóteses de incidência proposta no novo regime tributário, além dos regramentos aplicáveis às operações entre partes relacionadas e regimes diferenciados de apuração do IBS e CBS.

Diante desse cenário, revisar contratos empresariais não se limita à atualização de cláusulas tributárias, pois exige abordagem integrada que considere aspectos jurídicos, fiscais, contábeis e estratégicos. Embora existam soluções amplamente difundidas no mercado, cada contrato possui particularidades que demandam análise individualizada para definição do modelo mais adequado de adaptação.

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